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Publicado em Zero Hora, Opinião, 14/12/99
 

Expressivos representantes do pensamento neoliberal vêm recentemente condenando o que se denomina inversão da pirâmide educacional: ensino médio de boa qualidade nas escolas privadas e ensino superior de boa qualidade nas universidades públicas. Resulta daí que as classes economicamente favorecidas ocupam as melhores escolas em todos os níveis de ensino, configurando uma evidente injustiça social e levando o país para um nível geral de educação absurdamente baixo. Parece que repentinamente nossas elites econômicas foram inoculadas com o vírus do compromisso social. Todavia, trata-se, principalmente, de uma questão de mercado, tanto as razões pelas quais se chegou à situação atual, como o recente interesse em sua discussão. Há pouco mais de cinqüenta anos a escola pública de nível médio era bem mais qualificada do que a rede privada de então. Aquela rede pública foi destroçada através de vários mecanismos, um dos quais o aviltamento salarial dos seus docentes. A rede privada se expandiu, oferecendo um ensino médio de qualidade e a custos suportáveis pelas classes dominantes. O Estado, nas mãos dessas elites, se viu progressivamente desobrigado a manter os investimentos para a melhoria do ensino médio nas escolas públicas.

Com a necessidade da inserção do país num ambiente mundial tecnologicamente orientado, investimentos em ciência e tecnologia (C&T) e na formação de pessoal qualificado tornaram-se prioritários. O empresariado nacional jamais se dispôs a cumprir seu papel neste esforço nacional. Coube unicamente ao Estado a responsabilidade pelo estabelecimento de um ambiente avançado de C&T, através do aparelhamento das suas universidades e da instalação de laboratórios de pesquisa. O atual discurso neoliberal torna-se ainda mais contraditório quando se leva em conta o fato de que mesmo depois de instalada uma razoável base nacional de C&T, esta, salvo exceções que confirmam a regra, jamais foi buscada por nossas empresas para o desenvolvimento de uma tecnologia autóctone.

O recente e insistente interesse do meio empresarial pela inversão da pirâmide educacional tem suas motivações no fantástico mercado que se abre para a educação superior, dominado, em nível de qualidade, pelas universidades federais. Basta notar que nos recentes levantamentos da produção científica nacional são raras as contribuições das universidades privadas. Mais de 90% resultam de trabalhos realizados nas universidades públicas, federais e estaduais. Mudar o foco do investimento estatal do ensino superior para o ensino médio, certamente significa sucatear aquele, mas não aponta necessariamente para a melhoria deste. O ciclo de 50 anos atrás se repetirá, agora no ensino superior. Logo teremos os melhores professores transferindo-se das universidades estatais para as privadas, sem as garantias de iguais condições de trabalho acadêmico, pelo menos nas áreas de C&T.



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